sábado, novembro 15, 2008

"O Piano" (1993) - Por Elis Campos (ATT: SPOILER)


Quem ainda não viu o filme, por favor, não leia o texto a seguir.

Segunda parte: Análise um pouco mais aprofundada do filme (sem comentários técnicos) - vale lembrar que é uma interpretação completamente pessoal (e como ser impessoal?)
Att: Aqui tem SPOILER
.............. Para a resenha clássica, leia o post anterior.

O piano não é só o título desse filme. É a chave que permite desvendar muito de seus personagens e as relações que eles mantêm entre si.

O piano pode ser encarado como a própria Ada. O motivo por ela antipatizar seu marido foi sua recusa em levar o piano. Recusando-se a carregar o instrumento e considerando-o dispensável de sua atenção, Stewart atingiu diretamente a mulher, já que o piano é sua alma e a música sua forma de comunicar-se com o mundo.

Ao levar Ada à beira-mar, para tocar o piano, Baines assume, de certa forma, o papel que o marido não assumiu. Ele dá a atenção à necessidade de Ada de encontrar seu instrumento. É nesse momento, quando ele a vê sorrir, feliz, que ele se apaixona. Pela música, pela voz da mulher.

A forma que ele encontra, portanto, de a atrair para si é adquirir o instrumento. Ele não tem outros meios de fazê-la voltar a atenção pra ele, a não ser pelo piano. Ele é analfabeto, bruto e índio – posições completamente desfavoráveis naquele contexto, que acabariam com suas possibilidades de ser socialmente desejado e aceito por uma mulher branca, num ambiente de brancos. Em cenas mais adiante, quando Stewart está na casa de suas amigas – todas brancas, num ambiente predominantemente ariano – Baines também toma café, mas do lado de fora do círculo de conversas dos demais. Ele se apaixonou por Ada quando a viu tocar. Então, o que fazer para trazê-a pra junto de si? Trazer o que ela mais ama, algo sem o qual ela não possa viver. Pode haver alguém que ache que esse meu pensamento é cruel, que estou encarando o personagem como um tipo de “interesseiro”; por favor, não pense assim! É justamente o contrário. A atitude de Baines, ao meu ver, foi delicada e, desde já, um ato de amor – proporcionar prazer tanto para si (que desfrutava, através do piano, da companhia da amada) quanto para o ser amado (dando a Ada a oportunidade de ver e tocar seu piano).

O homem que nos aparecia até agora um tanto brutal revela-se o oposto. Apesar de seu iletrismo e “ignorância”, Baines contrata um afinador pra cuidar dos reparos no piano. Como um bruto conceberia essa idéia? É a partir daí que percebemos que vazio, mesmo, é Stewart, que apesar de seu possível “nível mais elevado” não tem a mínima sensibilidade pra compreender a mulher, nem está atento à tristeza de sua esposa pela ausência do piano. Ada, que julgava Baines um grosso, surpreende-se quando nota o piano afinado. Baines percebe a surpresa de sua amada, e fica feliz em vê-la satisfeita. Mesmo assim, ele não diz que mandou afinar o piano. Talvez porque queira revelar-se, aos poucos, um homem bem diferente daquela idéia que ela concebe.

Baines toma uma atitude de coragem e toca em Ada. É aí que um dos elementos da paixão – o toque – surge. Mas o toque de Baines não é de malícia. Na verdade, aos meus olhos, nenhuma de suas atitudes é. Ele é um ingênuo, puro, que acha que sua única oportunidade de conquistar a mulher é usando um tipo de “força bruta” – obrigando-a a submeter-se aos seus carinhos em troca de outra coisa (as teclas do piano). Ele não sabe lidar bem com seu novo sentimento, e acaba trocando os pés pelas mãos, pela inexperiência.

O índio é freqüentemente retratado como puro, lidando com certa ausência de malícia e normalidade com o que se refere àquilo que, ao olhar do branco colonizador, é passível de veto. A cena em que Baines e outros índios conversam enquanto ele lava roupas é um desses momentos. A índia fala que Baines precisa de uma mulher, que está muito só. O diálogo travado entre o grupo, apesar de tocar em pontos que seriam “normalmente” delicados, não carrega nenhuma malícia. A índia fala sobre o assunto e Baines não se sente constrangido. Tudo parece perfeitamente normal pra eles.

É como na cena em que, após espiar a mãe e Baines deitados juntos, no chão, a menina imita, em troncos de árvores, os beijos que presenciou, enquanto brinca com as outras crianças indígenas. As índias adultas que estão com as crianças não encontram nenhum problema na brincadeira, mas ao ver o que a menina está fazendo, Stewart a repreende e diz que o ato é vergonhoso. Nessa determinada situação aparece o contraste entre a ausência de malícia do índio e o pensamento maldoso do europeu colonizador, que acha a mera reprodução do ato de beijar alguém uma atitude ofensiva.

Outro momento, ainda mais emblemático, é na cena do teatro. Os índios assistem à peça teatral ao estilo europeu – elemento, este, que não faz parte de sua cultura – e se revoltam na cena em que o marido ameaça cortar os dedos da mulher. Eles partem pra cima para defendê-la, porque fazem parte de seus costumes defender a vítima e atacar o agressor, e eles acreditam estar não diante de uma ficção, mas de um acontecimento real.

ISSO NOS REMETE...

... à cena em que, recebendo a tecla do piano que tem gravada uma declaração de amor de Ada para Baines, Stewart parte armado com um machado para cortar o dedo de sua mulher. É uma forma de punir Ada, cortando um dedo seu – instrumento necessário para tocar o piano – e de desafiar Baines, já que, cultualmente, ele jamais admitiria ver um homem atacando uma mulher, principalmente a mulher que ama. Stewart desafia Baines, enviando-lhe o dedo cortado e a mensagem que diz que, se ele tentar ver Ada novamente, ele a fará perder outro dedo.

VOLTANDO:

Uma das primeiras cenas de intimidade entre os personagens de Harvey Keitel e Holly Hunter é quando ele pede que Ada levante a saia, e ele toca a pele dela por um pequeno furo na meia. Já foi considerada uma grande invasão da intimidade da mulher, que levantou a saia e exibiu um minúsculo pedaço de sua perna velada. Esse contato, tão íntimo para a época, revela mais uma vez a pureza de Baines, que trocou algumas teclas do piano por um simples toque, feito por um minúsculo buraco.

Mais à frente, percebendo que ultrapassou os limites ao compartilhar total intimidade com Ada, Baines sente vergonha pelo fato de trocar peças do piano por atos amorosos. Ele lhe diz que a situação faz dele um miserável e dela uma prostituta. É aí, ao voltar triste pra casa, que percebemos que Ada também se apaixonou. Ela continuou a ir não só pelo piano, mas pelo amante.

Posteriormente, Ada retorna à casa de Baines. Ele está doente desde que devolveu o piano à sua dona. Ela chega e tenta transmitir um pouco do que sente pelo olhar, mas Baines não consegue entendê-la. É aí que os dois amantes se revelam verdadeiramente apaixonados. Ada, muda, incapaz de responder, tenta falar com os olhos. É quando os dois têm o primeiro contato carnal genuinamente amoroso, em que não há trocas nem interesses envolvidos. Do lado de fora, o marido de Ada espiona e nota que Baines, agora seu rival, toca livremente em sua mulher, ato que lhe é vetado. O marido toma a posição de voyeur, e espiona os amantes até a hora em que Ada sai.

No dia seguinte, Ada segue o caminho da casa de Baines para encontrá-lo. No dia anterior ele havia pedido a ela que voltasse, caso ela o estivesse amando, realmente. Mas o marido a segue e a surpreende no caminho. É quando Ada fica numa espécie de cárcere em sua própria casa. O marido fecha todas as janelas e portas pelo lado de fora, impedindo a esposa de sair e encontrar-se com o amante. Ele alega que fez isso temendo ter a casa invadida pelos maoris.

ISSO NOS É EXPLICADO POR...

... cenas anteriores, em que os índios foram receber seus pagamentos. Stewart segura um pote cheio de moedas, e tira algumas poucas pra distribuir entre os trabalhadores. Mesmo segurando um pote lotado de dinheiro, ele alega que não pode pagar mais. É quando os índios tiram o pote de suas mãos e levam o dinheiro consigo. Eles vivem em exploração, condições precárias e recebem mal por seus trabalhos. Stewart não entende o que a terra significa pra eles, e apesar de toda recusa que recebe quando quer comprar propriedades de alguns índios maoris, ele insiste, dizendo a Baines, depois, que não entende para quê os nativos querem as terras, se não as queimam para o cultivo. Os índios têm uma noção de respeito e conservação das terras que os colonizadores são incapazes de entender. Para os brancos, as propriedades têm de ser cercadas – para marcar o domínio, a posse, a exclusividade -, e não teriam nenhuma serventia se não fossem exploradas.

VOLTANDO:

Dias depois, o marido volta atrás de seu ato, na esperança de que a mulher o ame algum dia. Ele lhe “faz um voto de confiança e dá mais uma chance”, abrindo as janelas e portas. Stewart faz Ada lhe prometer que não sairá pra encontrar-se com Baines. Ela balança a cabeça e concorda. Quando o marido sai, ela retira uma importante tecla do piano e escreve nela uma declaração de amor para Baines. Pede que Flora vá à casa dele e lhe entregue o embrulho, mas a menina demonstra contragosto e diz que não vai. Depois de muita insistência da mãe, Flora vai, mas muda de caminho e resolve entregar o embrulho a Stewart.

Interessante, porque Baines não sabia ler. Portanto, não iria entender nada do que estava escrito na tecla. Mas o significado, aqui, não são as palavras, mas sim a própria tecla. Ada só faria o sacrifício de retirar uma parte de seu piano por amor. Enviar a tecla a Baines foi uma demonstração de afeto, uma afirmação de seus sentimentos; foi, também, uma maneira de avisá-lo de que ela não foi lhe encontrar porque algo a impediu.

É quando acontece a triste seqüência em que vemos a mulher ser arrastada pelo marido, que, aos gritos, lhe ordena que ela lhe diga se é Baines, mesmo, que ama. Lhe foge completamente o fato de que Ada é muda.

À noite, quando Ada está na cama, adormecida, com a mão enfaixada, Stewart tenta ter relações sexuais com ela. É quando a mulher acorda e olha pro marido. Nessa cena se presencia uma mudança incrível na fisionomia de Sam Neill. É como se Stewart estivesse escutando a voz de Ada. A seguir ele vai, armado, à casa de Baines. Lá, ele tem um diálogo com seu rival bastante interessante. Ele fala do rosto de Baines, de suas tatuagens – o que ele teria de tão diferente, de melhor, que a fez preferir o índio ao branco? – é quando ele pergunta se, no último dia em que os amantes se encontraram, Ada lhe falou alguma coisa.

ISSO NOS REMETE...

... à cena em que Ada e Baines estão juntos, e Baines parece ter ouvido Ada dizer alguma coisa. Como Stewart espionava, ele ficou na curiosidade de saber se a mulher falou com o amante. Quando Baines diz que não, que Ada não disse coisa alguma, Stewart se alegra. Ele se alegra porque crê que é o único que tem o trunfo de compreender sua mulher, mesmo sem palavras. É uma “exclusividade”, só para ele. “Eu a entendo aqui” – ele diz, apontando pra própria testa – “Ela não fala nada, mas é como se escrevesse o que pensa em meus pensamentos, como numa folha em branco. Quanto mais eu ouço, mais entendo.”

ISSO NOS LEMBRA...

... a cena em que Ada contava à Flora como era seu pai. A menina pergunta como ela se comunicava com ele, no que Ada responde que palavras não eram necessárias. Era como se o pai de Flora fosse uma folha em branco, onde ela pudesse escrever seus pensamentos.

VOLTANDO:

De certa forma feliz por ser o único capaz de entender o silêncio de Ada, Stewart reproduz o que ela lhe teria dito. Ele diz que está disposto a atendê-la, liberando a mulher e deixando-a ir embora com Baines.
Nas cenas seguintes, já vemos a partida de Ada, Baines e Flora. E, claro, o piano. Já em alto mar, com o piano amarrado ao barco por cordas, Ada “se arrepende” de tudo, e resolve pedir que joguem o piano na água. Ao meu ver, esse é o momento de libertação total para ela: libertação de seu passado, de seus atos e, o mais importante, de sua mudez. O piano é jogado ao mar, e Ada resolve ir com ele. Põe o pé nas cordas, que a puxam com violência, atada ao seu piano. Ada vai afundando, quando decide voltar. Ela consegue soltar seu pé da corda e imergir. É um renascimento. A personagem diz algo como: “Que morte! Que ressurreição!”, e é exatamente disso que se trata. Ada morre pra sua vida antiga, seu passado, e nasce, inteiramente renovada. Ela volta sem a mudez. Portanto, realmente não precisa mais de seu antigo piano. Renascimento, nova vida. Para mim, é o que há de mais belo em todo o filme. O final é uma agradabilíssima surpresa.

..................................................... fim do spoiler

Bem, por aqui vou finalizando os enormes textos que escrevi sobre este filme. Há muito mais o que comentar, mas acho que já o cansei bastante, caro leitor! Quando puder, assista novamente. É um filme lindo, carregado de significados. E como eu digo: cada vez que revemos um filme, vemos um novo filme. Aproveite pra tirar suas próprias impressões, e deliciar-se novamente com essa obra-de-arte digna de todos os elogios.
Grande abraço!
da Elis :-)

terça-feira, outubro 14, 2008

"O Piano" (1993) - Por Elis Campos


No último final de semana me bateu uma saudade do meu CD com a trilha sonora do filme “O Piano”! Quem já assistiu ao filme certamente vai concordar comigo: a trilha sonora desse filme é simplesmente divina, magnífica.
Lembro quando vi o CD original na casa de uma amiga, e, descaradamente pedi: “Você pode fazer uma cópia pra mim”? Kkkkkkkkkkkkkkk!
Com a saudade da trilha sonora, me veio a saudade do filme, também. Há séculos eu havia assistido pela primeira vez, ainda em VHS. E nunca esqueci. O filme me deixou uma impressão forte, sombria; as cenas iniciais de Ada na praia, com sua filha, as bagagens e o piano têm uma atmosfera de solidão imensa. É um filme bastante peculiar pra um adulto; imagine pra mim, que assisti logo que foi lançado no Brasil, em 1994, quando eu tinha 6 pra 7 anos de idade? Mas como sempre fui “precoce” – os filmes da minha infância foram “Drácula de Bram Stoker”, “Edward, mãos de tesoura”, “Forrest Gump” e por aí vai – não é de se estranhar que eu tenha assistido a “O piano” e tenha gostado bastante, apesar de sempre ter que sair da frente da TV “quando as coisas começavam a esquentar” de verdade nos filmes (se é que vocês me entendem).

Pois bem. Sei lá porque, nesse último fim de semana me bateu uma saudade imensa do filme e da trilha sonora. Apesar da crise, se eu soubesse onde encontrar o DVD por aqui, teria saído e ido atrás. Como dizia minha avó, “mais vale um gosto que um vintém”, e eu concordo plenamente. Sofri a saudade só no fim de semana. Na segunda-feira, quando saí da aula de Cinema Moderno (inspiradíssima), comecei a empreender minha deliciosa busca por um exemplar do filme. Encontrei duas edições: uma mais simples (só o basicão, mesmo – o filme) e outra linda, com dois discos, sendo que um é o do filme e o outro é só de material extra. A desvantagem de ambos é só ter legendas em francês. Eu pensava que esse problema de legendas em uma só língua só existisse nas produtoras brasileiras; pude comprovar que não é um erro só nosso. Aqui na França é a mesma coisa. E ainda pior: há filmes que são dublados em francês e só (até nos cinemas, pasmem). Não tem legenda alguma, só a droga da dublagem.

A diferença de preço entre as duas edições levava o comprador a escolher a mais cara, mesmo. Compensava. A embalagem é muito bonita, toda em papel linho (nunca tinha visto isso antes), com uma impressao em tons azulados; coisa de primeira, mesmo. E o melhor de tudo: o disco só de extras. Não hesitei e peguei essa edição, aí, e corri pra casa pra assistir.

É a primeira vez que escreverei uma resenha nesse modelo aqui. Primeiro, vou fazer a resenha clássica, contar sobre o filme e discuti-lo brevemente depois. Na segunda parte, vou mergulhar um pouquinho mais profundamente no enredo, e fazer umas análises que considero pertinentes. Vai haver spoiler (revelarei fatos decisivos do filme); portanto, quem não assistiu a esse filme ainda, por favor, não leia essa segunda parte. Além de ser incompreensível pra quem não viu, pode influenciar o olhar de quem ainda vai ver, e eu não quero fazer isso. “O piano” é um tipo de filme profundo, cheio de significados; pra filmes assim, cada um que assiste deve tirar suas próprias conclusões. O espaço de spoiler é pra quem já viu e gostaria de ler algo que desvendasse um pouco mais o universo do filme.


Primeira parte: Resenha

Escócia, 1852. Ada (Holly Hunter) é muda. Desde os 6 anos de idade ela não pronuncia palavra alguma. Ninguém sabe por que, nem mesmo ela - segundo ela mesma, que é a voz narrativa do filme. Sua voz não é audível; quem fala é seu pensamento. Mas, segundo ela, ainda, a voz não lhe faz falta. Seu piano fala por ela.

Ada tem uma filha de 9 anos, Flora (Anna Paquin), uma garota espertíssima e impossível, com quem tem uma relação muito íntima. Sua família fez um casamento arranjado entre ela e um colono que vive na recém descoberta Nova Zelândia. Eles nunca se viram, e Ada vai partir pra lá com a menina pra iniciar nova vida, ao lado de um marido desconhecido, numa terra estranha.
Ela desembarca, com a criança, suas bagagens e seu piano na deserta e insólita praia do novo território. Passa a noite esperando o marido e seus serviçais, que a ajudarão a carregar as bagagens para a nova casa.

No dia seguinte, o marido, Stewart (Sam Neill), chega com seu fiel servo, o índio Baines (Harvey Keitel), e dá ordens aos empregados, índios Maoris, para carregarem as malas. Ada tem dois choques: o de encontrar pela primeira vez seu novo marido, e de encontrar os indígenas, povo que lhe parece completamente estranho e incomum. Sua maior preocupação é com o piano; o marido, porém, lhe diz que é impossível levá-lo agora, pois a bagagem é muita e há prioridades que devem ser levadas em conta, em detrimento de uma carga tão pesada. É a partir daí que Ada aborrece o marido; como deixar um piano na beira da praia, sujeito à chuva e à maresia? Ele é seu canal de comunicação com o mundo exterior, e ela precisa muito dele.

Revoltada por ter que deixar o piano, Ada se junta à filha e as duas seguem Stewart, Baines e a comitiva de nativos. Já no alto da montanha, ela pára pra observar o instrumento, abandonado na areia. O caminho até sua nova casa é horrível; só há lama e umidade. Na chegada, ela ainda tem que vestir um traje de noiva improvisado só para uma fotografia, a foto que marca o casamento, ao lado do marido, debaixo de chuva torrencial. Ada não se preocupa com outra coisa além de seu piano.

Na primeira noite na nova casa, Ada refugia-se com sua filha, a única por lá que é capaz de entender sua linguagem de sinais, em seu quarto. O marido quer abraçá-la, mas ela se recusa a dar qualquer demonstração de afeto.

No dia seguinte, Stewart parte pra resolver negócios de terras em uma tribo Maori e Ada vai à casa de Baines, que mora próximo. Ela vai lhe pedir pra levá-la, com a menina, à beira-mar. Ela quer rever seu piano. Entrega um bilhete a Baines, que devolve, dizendo que não sabe ler. Ada pede à menina que fale por ela, mas Baines se recusa a ir, dizendo que não tem tempo. Porém Ada não desiste, e monta acampamento na porta de Baines até que ele resolva levá-la ao seu piano.

O momento de mais felicidade da personagem em quase todo o filme é quando ela revê seu piano. Ela se senta e fica tocando o instrumento até anoitecer. O índio Baines fica ao redor, de pé, acompanhando as lindas melodias que Ada arranca do teclado, enquanto a menina dança ao som
da música.
Alguns dias depois, Baines faz uma proposta curiosa a Stewart. Trocar 38 hectares de terras de sua propriedade pelo piano de Ada. Stewart, bastente animado com a possibilidade de trocar o insignificante e incômodo piano por terras, aceita. Baines diz que gosta da música e quer ter lições de piano com Ada. Stewart aceita o trato e fecha o acordo. Baines, então, envia seus companheiros de tribo a buscar o instrumento na beira-mar.

Quando fica sabendo do acordo que o marido fez com Baines, Ada fica revoltada. Ela diz que o piano é seu, e jamais vai concordar em entregá-lo nas mãos de um analfabeto, bruto, incapaz de tocá-lo. O marido fica enraivecido, e diz que numa família todos devem aprendem a se sacrificar um pouco. Ele, então, lhe fala que ela poderá ficar vendo o piano, se for dar lições a Baines. Mas nenhum argumento convence a mulher.

Baines manda buscar um afinador pra deixar o piano no ponto. Ada vai pra dar sua primeira lição, e diz a Baines que não poderá ensinar em um piano desafinado. Perplexa, ao experimentar o piano, vê que está afinado. Ela, então, pede a Baines que lhe mostre o que ele sabe tocar. Ele lhe diz que não sabe tocar nada, nem quer aprender. Ele quer apenas escutá-la.

Ada volta regularmente à casa de Baines, só pra tocar seu amado piano. Mas um dia, enquanto toca, Baines se aproxima e beija sua nuca. Assustada, Ada pega suas coisas e faz movimento de sair, quando Baines lhe propoe um negócio. Trocar o piano, pedaço a pedaço, por carícias. A partir daí, quanto mais íntimo vai ficando o contato entre eles, mais teclas do piano Ada recebe.

Um dia, ao chegar para as “lições” habituais, Ada se depara com um grupo de índios que retira o piano da casa de Baines. Ela entra e, com a filha, pergunta para onde o piano está sendo levado. Baines diz que está lhe devolvendo o piano, e, reservadamente, lhe confessa que não pode continuar a fazer o que faz, pois seu ato o torna miserável e faz de Ada uma prostituta. É a partir daí que começamos a presenciar o conflito interior que Ada está sofrendo, pois as lições passaram a ter outro significado pra ela, muito além de um sacrifício ou uma obrigação.

“O piano” foi o filme que projetou mundialmente a carreira da diretora neo-zelandesa Jane Campion. Deu a Holly Hunter o Oscar de melhor atriz e ganhou a Palma de Ouro em Cannes. E é um filme com roteiro original, escrito pela própria Campion! Genial.

Jane Campion entende o universo feminino como poucos. Talvez por também ser mulher, ela consiga exprimir sensorialmente, visualmente e por meio de palavras tantos sentimentos genuínos de nosso sexo. Posso dizer que ela consegue tocar o âmago, o profundo, a essência da alma feminina. Quem assistir a “O piano” e “Retratos de uma mulher” dificilmente vai discordar de mim.

Seus personagens são delicados, labirínticos, profundos, enigmáticos, misteriosos. Ada é a mulher muda que faz do piano sua voz. Baines é o homem solitário, que apaixonado pelo som do piano, apaixona-se por sua dona, e procura realizar nela fantasias inconfessáveis e inatingíveis senão à uso de alguma força. Stewart é o marido aparentemente quieto, pacífico, que quer tocar e sentir o amor de sua mulher, mas jamais obtém êxito. Os conflitos que cada um vive são dignos de ser analisados. Cada personagem vive suas batalhas internas e externas, e tentam encontrar o que consideram que seja a felicidade apesar dos obstáculos que os tentam impedir.

Já houve quem dissesse que “O piano” fala essencialmente de desejo. Eu até acho válido, contanto que nao tomem a palavra “desejo” somente num contexto sexualizado, de conjunção carnal. A ligação entre Ada e Baines não é só o toque, a intimidade física, mas muito mais que isso. É uma fusão de almas, apesar das diferenças que poderiam impor um abismo entre eles – Ada com sua mudez e aparente incomunicabilidade, Baines com seu jeito bruto, com seu analfabetismo e iletrismo,que à primeira vista o deixariam indiferente ao universo predominantemente sensorial de Ada.

“O piano” é um filme extremamente sensível, poético e belo. Há cenas lindíssimas, filmadas em cenários desérticos, exóticos, pulsantes. A fotografia é maravilhosa, e passa toda a frieza da luz do ambiente. Aprecie cada imagem, e cada música. Vale ressaltar que, nesse filme, a música é um universo independente e ao mesmo tempo em total ligação a tudo! As composições de Michael Nyman são deliciosas, leves, sutis. Vide "The Heart Asks For Pleasure First", a música-tema do filme.

Michael Nyman é um compositor britânico que fez muitas trilhas sonoras pra Cinema. Poucas vezes pra filmes hollywoodianos. É ele o autor das trilhas de “Fim de caso” (1992) e vários filmes de Peter Greenaway, como “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante” (1989) e “O Bebê santo de Macon” (1993). Sem dúvidas, seu trabalho para “O piano” foi um dos melhores de sua carreira até agora. Não há uma música que possa ser classificada como razoável. Todas são brilhantes. E por falar na música, vale citar que foi a própria Holly Hunter quem tocou piano em todas as cenas.

A atuação de Holly Hunter é fantástica. Sem abrir a boca pra dizer uma palavra ela nos fala tudo o tempo todo, e se revela completamente. O olhar, os movimentos gestuais e o silêncio são suas poderosas armas de comunicação. Ela está numa das interpretações femininas mais extraordinárias que eu vi, até hoje. Perfeição chega a ser palavra insuficiente pra classificar a performance de Hunter nesse filme. Merecidamente, por esse trabalho, ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz, o Globo de Ouro de Melhor Atriz - Drama, o BAFTA de Melhor Atriz e o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes.



Harvey Keitel é um capítulo à parte. Quem conhece já está acostumado a vê-lo em filmes de gêneros completamente diferentes de “O Piano”.
“Taxi driver”, “Cães de aluguel” são alguns exemplos de trabalhos que ele já fez. No primeiro, pra quem não lembra, ele interpreta Sport, o cafetão que explorava os “serviços” de Iris , interpretada por Jodie Foster. No segundo, estréia de Quentin Tarantino como diretor, ele faz Mr. White, um dos seis bandidos reunidos pelo personagem de Lawrence Tierney para um grande roubo de diamantes. Freqüentemente ele interpretava o bandido, ou o durão, ou o mau ou o impiedoso. Mas isso não quer dizer que Keitel é ator de mesmice. É justamente o contrário. Ele é incrivelmente versátil. Escolhe produções versáteis, de diretores versáteis, em países versáteis. Eu amo atores que fazem isso; saem do circulozinho de “Hollywood” e buscam mais. Esse tipo de ator é pleno, completo!
Mas, sem dúvidas, ver um Keitel mais “romantizado” deve ter chocado um pouco alguns espectadores que já o tinham visto em seus personagens fechadões. Baines ainda é um personagem recluso, mas é romântico, essencialmente. E o melhor de tudo foi essa fusão entre o personagem apaixonado e o ator que faz tão bem tipos tão sérios! O personagem ficou tão equilibrado, tão equilibrado, que atingiu a plenitude. Romântico sem ser piegas. Sublime.

Na cena em que Baines se declara a Ada, pode-se visualizar perfeitamente o que eu estou dizendo aqui. Ele está apaixonado, mas apesar do desejo, não perde o controle. Ele fala tudo de forma tão natural, tão simples, que foi capaz de deixar o diálogo limpo e cravejado de sentimentos, ao mesmo tempo. O equilíbrio de expressão é demais, e faz o espectador descobrir e redescobrir Harvey Keitel, só se rendendo ainda mais ao seu talento e è sua capacidade artística inquestionáveis.

Sam Neill faz um tipo de papel que sempre lhe cai bem. O homem aparentemente equilibrado, que perde e reconquista o controle de si mesmo em um piscar de olhos. Ao meu ver, ele é o personagem mais difícil do filme, o mais fechado em copas. Ele se mostra um marido atencioso, que busca compreender a esposa, apesar da falta de palavras. Mas na realidade, ele a trata como um ser diferente, à parte, e talvez esse seja um dos pontos que o faz mais desagradável às vistas da mulher. Ele segue equilibrado até certa altura da narrativa. No momento em que ele é que se sente incompreendido, revela uma outra face sua, incapaz de medir conseqüências. Interpretação excelente.

Anna Paquin é outro capítulo à parte. Por sua atuação nesse filme ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante e recebeu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante. Sua personagem é afetuosa, inteligente e geniosíssima. A menina é a porta-voz da mãe diante de um mundo que não a compreeende, e talvez por isso sinta que a mãe precisa lhe comunicar e justificar tudo o que faça. Mas, acima de tudo, ela é uma criança, e faz muitas coisas por inocência, sem senso de maldade. Alguns de seus atos vão gerar conseqüências irreversíveis. E sua íntima ligação com a mãe fará com que sinta muito alguns danos.


PREMIAÇOES:

- Ganhou 3 Oscars, nas seguintes categorias: Melhor Atriz (Holly Hunter), Melhor Atriz Coadjuvante (Anna Paquin) e Melhor Roteiro Original. Foi ainda indicado em outras 5 categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Figurino e Melhor Edição.

- Ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz - Drama (Holly Hunter), além de ser indicado em outras 5 categorias: Melhor Filme - Drama, Melhor Diretor, Melhor Atriz Coadjuvante (Anna Paquin), Melhor Roteiro e Melhor Trilha Sonora.

- Ganhou 3 prêmios no BAFTA, nas seguintes categorias: Melhor Atriz (Holly Hunter), Melhor Figurino e Melhor Desenho de Produção. Recebeu ainda outras 7 indicações, nas seguintes categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Edição, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora e Melhor Som.

- Ganhou o Cesar de Melhor Filme Estrangeiro.

- Ganhou a Palma de Ouro e o prêmio de Melhor Atriz (Holly Hunter), no Festival de Cannes.

- Ganhou o Independent Spirit Awards de Melhor Filme Estrangeiro.

- Ganhou o Prêmio Bodil de Melhor Filme Não-Americano.


CURIOSIDADES:

- Por causa da censura recebida, a atriz Anna Paquin não pôde assistir ao filme nos cinemas, já que na época de seu lançamento tinha apenas 11 anos.

- Após “O Piano” o ator Harvey Keitel ainda trabalhou em outro filme dirigido por Jane Campion, "Fogo sagrado” (1999).

- O orçamento de “O Piano” foi de US$ 7 milhões.

(Fonte: AdoroCinema.com.br)

- Para efeito de realismo, as tatuagens que o personagem de Harvey Keitel usa no filme foram feitas por um verdadeiro tatuador Maori.

- Apresentado na seleção oficial do Festival de Cannes em 1993, o filme de Jane Campion impressionou o júri, presidido por Louis Malle e composto, entre outros, por profissionais como Gary Oldman, Abbas Kiarostami e Claudia Cardinale. Holly Hunter recebeu o prêmio de melhor interpretação feminina, e o filme recebeu a prestigiada Palma de Ouro, recompensa partilhada com o filme “Adeus minha concubina” de Chen Kaige. Jane Campion foi a primeira mulher na história do Festival de Cannes a receber a Palma de Ouro pela direção de um filme.

(Fonte: Allocine.fr. Tradução livre.)


QUER SABER MAIS?

- Sobre Jane Campion: http://www.fys.uio.no/~magnushj/Piano/campion.html (em inglês)
- Sobre Holly Hunter: http://www.hollyhunter.com/ (em inglês)
- Sobre a carreira de Harvey Keitel: http://www.adorocinema.com/colunas/renato-martins/harvey-keitel.asp
- Sobre Sam Neill: http://www.ibiblio.org/samneill/ (em alemão, espanhol, francês e russo)
- Sobre Michael Nyman: http://www.michaelnyman.com/ (site oficial – em inglês)



FICHA TÉCNICA:

Título Original: "The Piano"
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 121 minutos
Ano de Lançamento (Nova Zelândia): 1993
Estúdio: Australian Film Commission / CiBy 2000 / New South Wales Film & Television OfficeDistribuição: Miramax Films
Direção: Jane Campion
Roteiro: Jane Campion
Produção: Jan Chapman
Música: Michael Nyman
Fotografia: Stuart Dryburgh
Desenho de Produção: Andrew McAlpine
Figurino: Janet Patterson
Edição: Veronika Jenet

QUER VER O TRAILER?

Abraços!
Elis :-)

domingo, julho 06, 2008

9 e ¹/² semanas de amor (1986)




Depois de vários repeats de Slave to love do Bryan Ferry eu estava decidido a assistir neste fim de semana o filme 9 e 1/2 semanas de amor. Para os desavisados ,que acham que isso é título de filme mulherzinha româtica da década de 80, me desculpe, pois até o final passa bem longe do que poderia se tornar um romance ideal. Eu mesmo caí brincando neste título dúbio, mas paguei todos os meus equívocos apreciando cada cena do filme. Eu aqui tentarei destrinchar aqui com minhas palavras, mas faltarão muitas, até porque, em certos casos, o silêncio faz até mais sentido.

Para resumir em uma palavra, eu poderia dizer que o filme é sensual. Não falo apenas do lado sexual envolvido nele, mas o lado literal da sensualidade. De atiçar os sensos enquanto cada jogo sexual envolve aromas, gostos e é claro, tudo que envolve a natureza sexual humana. Tudo posto em jogo.

Essa é a estória de dois estranhos que se conhecem por aí num bairro qualquer de Nova York com nada a perder. Literalmente nada a perder, porque a vida seria tão comum se não houvessem imprevistos. Imprevisível é uma das outras palavras que eu bem poderia também definí-lo, pois à cada cena, quando você se envolve com as personagens, mais você se sente dentro de um espiral de incertezas e medos. "Eles quebraram todas as regras", uma das chamadas de cartazes que fez o que prometeu sobre a identidade deste filme.

Tudo passado na tela parece trabalhar muito bem todos os nossos sentidos, porque nada , pelo menos para mim, passou em branco. O diretor Adrian Lyne mais uma vez me surpreendeu, logo ele que me fez impressionar com a personagem Alex, de Glenn Close, em Atração Fatal (1987). Neste filme que vos redijo não teve como não tentar desvendar a alma dos dois personagens e além disto trabalhar cenas do belo ao grotesco de forma tão artística. Cenas muitas destas em que só de relembrar me dá vontade de assistir de novo, só para saber se a impressão que eu tive será a mesma.

As Atuações de Kim Basinger e Mickey Rourke caíram como luvas nas personagens centrais do filme. E se é para criticar negativamente algo nele, eu posso dizer que uma coisa me fez bastante decepcionado : ele ter um final. E daqueles bem inesperados.




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Cena do filme com a música Slave to love



Slave to Love - Bryan Ferry



Post do blog Yuppie Guy

terça-feira, maio 27, 2008

"Morre um mestre".

(Fonte: MSN Entretenimento)



http://www.famosidades.com.br/v2/gerador/paginas_geradas/noticias/noticias_mod_4915.htm



Minha homenagem A Sydney Pollack, o brilhante diretor de filmes como "A intérprete" (2005), "Tootsie" (1982) e "Entre dois amores" (1985).
A morte é incapaz de vencer o artista, pois sua obra lhe faz alcançar a eternidade.


segunda-feira, fevereiro 18, 2008

"Sweeney Todd - O Barbeiro demoníaco da Rua Fleet" (2007) - Por Elis Campos

Meu povo!

Depois de séculos de ausência (me perdoem, eu estava de férias durante os dois últimos meses), volto aqui pra tentar atualizar o bloguito. Tanto é que esse post nem será sobre um filme que já tenha saído em dvd. Ele está em cartaz nos cinemas, esperando que você vá vê-lo, porque vale à pena.

Só existem quatro atores vivos pelos quais ponho minha mão no fogo no que diz respeito à grande capacidade de interpretar personagens excêntricos: Jack Nicholson, Willem Dafoe, Gary Oldman e Johnny Depp. Qualquer um desses quatro é garantia de um louco, estranho, psicótico, esquisito e incomum que realmente convença - cá pra nós: esse tipo de personagem é difícil de se fazer. Sejamos sinceros: ou o personagem fica incrível ou irremediavelmente falso - tudo depende do ator que o interpreta, não é mesmo?

Acho que cada ator e atriz segue, ao longo de sua carreira, um caminho voltado a um tipo psicológico específico - o bonachão, o perverso, o caubói, o durão, o sentimental - e alguns brilham ao seu estilo e no gênero no qual mais trabalham. Pra perceber bem isso, acompanhe com atenção a carreira de algum ator ou atriz. Veja seus filmes (dos mais famosos aos mais apagados), leia sobre ele (ou ela), assista suas entrevistas e você vai perceber qual é a linha na qual o profissional mais se dá bem.

Os quatro que eu citei acima têm talento todo especial para personagens, digamos, "incomuns":

Jack Nicholson fez "O Iluminado", "Batman", "Um Estranho no Ninho" e uma penca de outros maravilhosos filmes com protagonistas esquisitões e até bizarros;
Willem Dafoe fez "A sombra do vampiro" e o clássico Sessão da Tarde "Velocidade máxima 2" - que, por sinal, só se salvou porque Dafoe apareceu;
Gary Oldman fez "O Profissional", "Drácula de Bram Stoker", "Sid & Nancy" e vários outros personagens curiosos;
Johnny Depp fez "Edward Mãos de tesoura", "O Libertino" e o recém lançado na grande tela aqui no BR: "Sweeney Todd".

E é sobre Johnny Depp e seu incrível "Sweeney Todd" que vou falar agora.

Depp, que literalmente "fez a cabeça" (e porque não dizer que ainda faz :-)) das mulheres como o inesquecível Edward, está de volta, munido de navalhas ao invés de tesouras e pronto pra fazer barba, cabelo, bigode e pescoço de muita gente. E melhor: com Tim Burton de novo.

"Sweeney Todd - O barbeiro demoníaco da Rua Fleet" é um musical. Conta a estória de Benjamin Barker, um barbeiro casado com uma bela moça e pai de uma menininha. Vai tudo bem até o dia em que o juiz Turpin (interpretado pelo excelentíssimo Alan Rickman) põe seus olhos de cobiça na moça.

Disposto a tomar a mulher para si, manda prender Benjamin sem causa alguma para, enfim, conquistar seu objeto de desejo. Barker vai preso e Turpin começa a insistir para que a mulher lhe dê atenção. Um dia, manda chamá-la à sua casa prometendo que soltará o barbeiro da prisão, e alegando que deseja lhe pedir desculpas. A mulher, tão ingênua quanto o marido, vai falar com Turpin. Trancada dentro da casa dele e diante de um baile de máscaras onde não falta álcool, a moça começa a beber e vira presa fácil pro juiz, que aproveita-se dela e a estupra.

Isso tudo é narrado por Barker que, agora de volta a Londres e à liberdade depois de 15 anos de prisão, mudou seu nome para Sweeney Todd e está disposto a se vingar.

Ao chegar à sua antiga casa na Rua Fleet, percebe que ela está vazia. A vizinha, Mrs. Lovett (Helena Bonham Carter excelente), dona de uma loja de tortas imunda, lhe diz que a mulher, após o ocorrido, tomou veneno, e a menina, Johanna, está nas mãos de Turpin, que a cria como a uma protegida. Todd está arrasado e com ódio cada vez maior de seu inimigo. Lovett, depois de reconhecê-lo como o sr. Barker, devolve-lhe aquilo que era o seu instrumento de trabalho, que agora se tornará arma de sua vingança. Um conjunto de navalhas de prata que, como Todd diz, é a extensão de seu braço. A partir daí ele decide espalhar sua fama de melhor barbeiro da cidade, com o único objetivo de fazer sentar em sua cadeira o juiz Turpin.

Todd resolve, então, unir-se à Mrs. Lovett para pôr em prática seu plano de vingança: matar o juiz Turpin, seu bedel e recuperar a filha Johanna. Mas até cumprir seus objetivos, muito sangue vai jorrar e muitos pescoços vão "passar pela navalha". Mrs. Lovett aproveita a sucessão de acontecimentos para rechear suas tortas com carne sem precisar ir ao açougue e sem gastar nenhum tostão :-O
Mrs. Lovett e Todd não sabem, porém, que suas vidas sofrerão uma grande reviravolta, e que nada, nunca mais, será como antes.


Alan Rickman interpreta o perverso juiz Turpin, o arquiinimigo do barbeiro Benjamin Barker (Johnny Depp)

"Sweeney Todd" traz à tona, através do universo fantasioso maestralmente criado por Tim Burton, o lado mais degradado e negro da alma humana. Para Todd, todos merecem morrer e, de uma forma ou de outra, acabam sempre caindo no mesmo abismo da maldade e se contaminando com a sujeira e a imundície da natureza humana.
O filme é surpreendente e deixa qualquer um sem a mínima idéia de como será seu desfecho.

O diretor Tim Burton reencontra Depp, certamente um dos seus atores favoritos - não é à toa que eles já fizeram "A Fantástica Fábrica de Chocolates", "A lenda do cavaleiro sem cabeça" e alguns outros títulos juntos - e conta naquele jeito todo seu de contar uma estória digna de Edgar Allan Poe.
Depp tem, como sempre e sempre, uma atuação sensacional, irretocável, capaz de mostrar muito nitidamente os sentimentos obscuros de seu personagem. Helena Carter faz, com ele, uma dupla perfeita, que de tão boa deixa aquele gostinho de 'quero mais' depois que o filme acaba.
Rickman atua muitíssimo bem (como sempre!) e consegue ceder seu brilho ao filme sem ofuscar os demais.


Sweeney Todd (Johnny Depp) e Mrs. Lovett (Helena Carter) em cena do filme

Pra quem achou Kill Bill o supra-sumo da sangüinolência, depois de assistir a "Sweeney Todd" vai acreditar que o clássico de Tarantino virou filme pra criança. Desde a abertura, sinistra ao som da Tocata e fuga em ré menor BWV 565 de Bach, dá pra perceber que o clima será sujo, sombrio, bizarro e regado a muito sangue. Mas é genial e digno de aplausos.


Recomendadíssimo!


Para saber mais sobre esse musical, acesse:

http://www.cinemaemcena.com.br/ficha_filme.aspx?&id_noticia=17446&id_filme=2531&aba=cinenews

Abraços rubros!


Elis :-)