sábado, janeiro 17, 2009

"Um sonho sem limites" (1995) - Por Elis Campos

Em minha aula de Écriture Scénaristique eu e meus colegas vimos dois filmes como exemplos de roteiros bem construídos. Um foi “Marcas da violência” (2005), de David Cronenberg, e outro foi “Um sonho sem limites” (1995), de Gus Van Sant. Gostei muito de ambos, mas o segundo me chamou a atençao pelo tema e o modo como foi abordado.

“Prête a tout” (disposta a tudo) é o título em francês, que eu acho lindo. Tao lindo quanto o original, “To die for”. Interessante como títulos realmente bem bolados ficam na nossa cabeça, e sao alguns dos fatores que nos deixam interessados em ver certos filmes. Quem me falou a primeira vez sobre esse filme foi Hugo, em uma de nossas agradáveis conversas sobre Nicole Kidman e seu talento extraordinário. O título do filme e sobretudo o pôster , que me chamou a atençao pelo azul e pela sensualidade da pose de Kidman (porque apesar de ser mulher, sei admirar a beleza de exemplares do mesmo gênero, e ser muito justa :-)), me causaram um efeito muito positivo. Como alguém já disse por aí, a imagem fala, e muito bem, mais do que palavras, em certas ocasioes. Pôster, pra mim, é mais da metade do sucesso na divulgaçao de um filme. Nossos olhos se deliciam em ver pôsteres bem feitos, e também gritam de horror diante de um Photoshop mal usado ou de uma montagem digna de Paint. É por isso que eu digo e repito: tem muita gente precisando aprender a fazer pôster de filme com os poloneses. Incontestavelmente eles sao mestres nessa verdadeira arte.

Eu amo o título “To die for”. E sempre quis saber porque danado esse filme tem esse título. Era alguma coisa “de morrer por”, e eu queria saber o que era. E foi uma grata surpresa vê-lo em minha aula de Écriture Scén.; nunca pensei na minha vida que veria esse filme uns 2 ou 3 anos depois de ouvir falar sobre ele, e nunca pensei que fosse vê-lo legendado em francês (um desafio! Kkkkkkkk!), na França. Coisas do destino! Às vezes fico gastando um tempao pensando nessas bobagens, e o pior: acabo escrevendo tudo no blog! Kkkkkkkkk!

Suzanne Stone (Nicole Kidman) é uma boneca de porcelana. Linda, quase perfeita. É, quase (porque definitivamente, perfeiçao nao existe na face desse nosso planeta). Seu jeitinho delicado, frágil e dócil é o que mais atrai o jovem Larry Maretto (Matt Dillon), que trabalha com o pai, proprietário de um restaurante italiano (Dan Hedaya) numa cidadezinha interiorana dos EUA. Larry está cada vez mais apaixonado, e revela pra irma (Illeana Douglas) que Suzanne é a mulher de sua vida, e que está decidido a se casar com ela.

Suzanne, garota bela, porém limitada, tem um sonho dourado: ser uma estrela do telejornalismo norte-americano. Mas ao longo de filme vemos que esse nao é um sonho comum. É, na verdade, uma obsessao, violenta e cega.

Após o casamento, Suzanne começa a correr atrás do estrelato. Manter seu belo corpo e os cabelos sempre prontos sao suas preocupaçoes constantes; afinal, como ela mesma diz, gente fora de forma nao tem chance na TV. Ao saber de uma vaga para secretária aberta numa micro estaçao de TV instalada em sua cidade, Suzanne se embala toda e vai entregar seu currículo, dizendo que está disposta a tudo. E está, mesmo.
Depois de muita insistência, ela consegue a tarefa de apresentar a previsao do tempo na retransmissora. E fica super empolgada em bolar mil e uma idéias de reportagens, documentários e uma penca de outros trabalhos do gênero. Na tentativa de pôr um de seus projetos em prática, Suzanne conhece três adolescentes de um colégio local. Ela quer fazer uma série de tv sobre o universo jovem, e sao os alunos Russel (Casey Affleck), Lydia (Alison Folland) e Jimmy (Joaquin Phoenix) que se alistam como seus voluntários. Os três têm duas coisas em comum: sao amigos e caíram de amores por Suzanne, cada um a seu modo. Aproveitando-se dessa simpatia que sabe despertar nos três, Suzanne vai conseguir pôr em prática o bizarro plano de afastar quem quer que seja do seu caminho de “sucesso” a qualquer preço.

O filme tem um formato bastante peculiar: temos a sensaçao de assistir a uma reportagem, um documentário, pela forma como sao mostrados os "depoimentos" dos personagens e pelo desenrolar da narrativa. Como num programa de TV. Às vezes rimos com alguns acontecimentos, e atitudes dos personagens, mas imediatamente depois que o filme acaba, paramos pra pensar na seriedade da situaçao apresentada.

Nicole Kidman está magnífica. Esse filme só me fez admirar mais seu talento. Ela sabe ser angelical quando precisa e demoníaca quando quer. E nos deixa pensando sobre o quanto o magnetismo e sagacidade de alguém pode conduzir situaçoes e pessoas ao bel prazer do dominador.
Ótima atuaçao de Joaquin Phoenix, ainda em início de carreira. Já se via o bom ator que ele é, e já se previa a chegada de ótimos trabalhos seus, como em “Gladiador” (2000) e “Johnny e June” (2005). Ele é excelente, e caiu muito bem no papel.

“Um sonho sem limites” nao é só um bom humor negro. É uma crítica de muito bem construída à mídia norte-americana e à nossa moderna sociedade de informaçao, que tem uma face obscura muito severa: a da imposiçao de padroes. Mesmo pra quem nao está dentro desse universo de estudos de mídia (seja como estudante de comunicaçao social, seja como pesquisador, seja como profissional do mercado), perceber essa tendência nao é difícil. Basta ligar a TV, porque é nela onde tudo está mais evidente.

Na mídia brasileira nos deparamos centenas de vezes com um certo “padrao de qualidade” que tolhe os bons profissionais ou os subistitui por carinhas bonitinhas e corpos “adequados” à moda. Desde a tola idéia de que um sotaque “nao fica bem no vídeo” à mais inaceitável teoria de que “tal cabelo é melhor que tal outro na TV”, vê-se que a situaçao é pior do que se pensa. E diante de tal quadro, o que encontramos sao profissionais lançados aos montes cada ano no mercado, e muitos deles alimentando verdadeiros sonhos megalomaníacos de sucesso.

A TV, verdadeiro espelho de Narciso, mexe com a cabeça de muita gente. E freqüentemente se transforma numa fábrica de seres milimetricamente iguais, todos pré-moldados. E no meio disso tudo, pra onde vai a criatividade? E a inteligência?

Cada um deve ter objetivos na vida. Isso é muito bom e louvável. O problema é quando se extrapolam limites, e sonho vira obsessao. Vale ressaltar que nada na vida se consegue sem esforço, dedicaçao e fé. E carinha bonita realmente nao dura pra sempre.

QUER VER O TRAILER?



QUER SABER MAIS SOBRE GUS VAN SANT? ACESSE:


PS.: Ótimo texto e excelente estudo sobre a obra do diretor.

POLONESES TRANSFORMAM POSTER DE FILME EM ARTE. VEJA ALGUNS EXEMPLOS EM:


CURIOSIDADES:

- Nicole Kidman ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia/Musical por seu trabalho neste filme.
- O diretor David Cronenberg faz uma ponta neste filme, em algumas das cenas finais.


Abraços!
Elis :-)


Título Original: To Die For
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 106 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1995
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Buck Henry, baseado em livro de Joyce Maynard